Decolonial Translation Group

A Luta pela descolonização na França

Entrevista com Houria Bouteldja, a porta voz do PIR, partido dos indígenas da República de Francia realizada por Said Mekki para Algerie News.

 

Said Mekki: Por que vocês se reivindicam como indígenas1?

Houria Bouteldja: Porque vivemos uma realidade neocolonial. Somos filhos de uma ilusão que constituiu em crer que as independências de nossos países significam o final da colonização. E na realidade, se tratava do primeiro ato da descolonização. Percebemos tanto nas metrópoles como em suas relações com suas antigas colônias, a descolonização está sem terminar. Suas bases ideológicas e culturais estão vigentes, todavia. Então seguimos vivendo uma fase colonial diferente. Nós que vivemos regimes e sistemas de opressão de diversos tipos, nos reconhecemos nesta dominação, porque nós precisamente e de maneira crua ,mostra a todos os opressores a realidade e o estado, na qual nos querem prender.

SM: Por que rejeitam a nação de integração?

HB: De fato, a república abstrata, tão celebrada por todas as partes, se nega a reconhecer como cidadãos de pleno direito àqueles que têm origem em África ou no mundo árabe-muçulmano. Para integrar-se, há de se negar os fundamento de sua cultura e adaptá-los que é a representação comum do cidadão ideal segundo a televisão Alain Finkelkraut2. Mas assim, não é suficiente. Adaptar a maneira de viver e os usos locais em sua aceitação identitária não leva a nenhuma parte. Olha a história dos Harki3 e a discriminação que padecem na França desde o final da guerra da Argélia. Demonstra o absurdo desta negação de si mesmo, da qual, todavia, se propõe como a opção ideal. A menos que tenhamos que fazer uma cirurgia ,para nos desfazer de nossas marcas permanentes.

SM: Como se atua contra o PIR?

HB: Não é fácil dizer que somos islamitas, terroristas, sobre tudo porque também somos um movimento de Africanos, de Antilhanos, de Franceses. Por isso, os ataques que nos fazem são indiretos: a difamação constante, o fantasma do medo dos bairros marginais, do Islam. As elites dirigentes já não podem decidir abertamente que somos inferiores, então o deixam entender de diversas maneiras. Os que lhes parece mais eficiente é por no cenário gente “diversa” que representam para eles a integração êxitosa. É maior signo deste êxito, desta dissolução em que eles chamam “a sociedade francesa” são gente, sobretudo mulheres, que manifestam publicamente abandono de toda referência a suas origens [o que chamamos “integração via presunto”4], ou que adaptam uma postura muito ofensiva contra sua comunidade de origem. Esta postura, que leva, entre outras coisas, a estigmatização sistemática dos jovens dos bairros é a que conduz ao consenso político dominante. Isto se ilustra, por exemplo, a associação “generosamente” apoiada pelo estado cujo nome talvez seus leitores encontre chocante e prefiro não mencionar.

SM: Você se refere a associação “nem puta”, nem submissas”5. É um grupo notório e não vai ofender a ninguém em Argélia. Mas esta gente levanta assim igualmente contra um verdadeiro problema, aquele do status da mulher e das jovens nos bairros marginais.

HB: Em toda sociedade existe o problema da dominação masculina: os bairros desfavorecidos não são os únicos em ter mulheres maltratadas. Designar os jovens dos bairros como uma categoria especificamente violenta é uma estratégia para isolar, maghrebies e negros, em uma representação onde os estrangeiros, e mais todavia se é muçulmano, é retrograda e perigoso.

SM: Que é o que faz que “indígena” seja uma categoria política pertinente?

HB: O triplo “colonialismo, imperialismo, normas ideológicas superiores que se devem impor a todos” segue vigente. Tem sido retomado de maneira espetacular pela chegada dos “neocon” ao poder, em toda Europa. Então recordar, em termos de pensamento político, esta verdade e posicionar se como resistente [descolonizar] a este nível dói porque é uma confirmação justa que chama a atenção. A palavra “indígenas” é um destruidor de mitos: o da república universal e igualitária. Além disso, é o estatuto que teriam nossos pais entre a época colonial e nos ensina que a luta de libertação ainda segue hoje em dia tanto aqui em França e como nos países neocoloniais.

SM: Que é o que faz que esta realidade se nega, tanto na direita como na esquerda?

HB: É normal que os centros mesmo da propaganda ocidental se sintam aludidos. Os centros são de esquerda e de direita. A direita sempre colonial e capitalista, a esquerda ideologicamente dominadora e paternalista. Recordamos da posição lista da SFIO y do PCF6 durante a Guerra da Argélia. A esquerda não rompe com essa herança. Os mecanismos históricos todavia estão aí e, por tanto, o uso da palavra indígena se justifica. A isso se acrescenta o sionismo que hoje em dia é muito poderoso e que quisera que a enunciação da verdade se faz unicamente via os “novos filósofos”7 propagandistas. Daí que a guerra aos muçulmanos não submetidos politicamente e a seus aliados ex-coloniais de onde a lavagem do cérebro não foi eficiente, designados hoje em dia como "islam-esquerdistas”.

SM: Estão comprometidos com tema de política internacional?

HB: Sim, e em primeiro lugar com respeito a tragédia Palestina. Em este drama, os ocidentais estão sobrecarregando aos palestinos, o peso de seus próprios fantasmas. A negação do fato nacional palestino é um crime. O genocídio dos judeus não justifica esta negação dos direitos palestinos. A causa deste povo está no coração da nossa luta. Vivemos um mundo onde as representações estão invertidas: Israel se pinta sempre como a vítima, por mais que se tratada de um estado colonial, violento e explorador. Se observa que a política exterior dos ocidentais designa sempre impor este estado aos povos árabes e a comunidade internacional.

SM: Como atuam os “indígenas” e quais suas perspectiva futuras?

HB: Nos somos agrupamento político e não ideológico, transversal aos falsos debates sobre o étnico, o religioso, críticos da república histórica e sarkosista, críticos da leitura tendenciosa da laicidade, etc.... No entanto, mais avançamos em direção a afirmação de nós mesmo, em direção a eventual formação de um partido político, mas nos convertemos em objetos da crítica, particularmente da esquerda que quisera recuperarmos dentro de uma lógica que considera que nosso combate é finalmente secundário em relação aquilo que eles definam como as questões principais que eles diferenciam da direita. Todavia, com respeito ao racismo institucional subjacente· e a questão palestina existe um consenso político entre direita e esquerda alienado as teses israelitas e ocidentais.

 

Traduzido para o português por Suzete Lima.

Notas

 


1 A noção indígena (indígenas) usada aqui tem uma referência particular na história colonial francesa. O império francês usava o termo indígena para referir-se aos sujeitos coloniais em suas colônias através do mundo.

2 Filósofo francês muito midiático cujo discurso se caracteriza pela defesa descarada dos crimes sionistas e o racismo contra os árabe-muçulmanos sem timidez e nem vergonha alguma.

3 Harkis são combatentes argelinos do exército francês durante a guerra colonial francesa na Argélia cujo direitos como veteranos de guerra e como cidadãos nunca foram reconhecidos pelo estado Francês. De fato, a sua chegada a França depois da vitória da Frente de Libertação Nacional, foram segregados e internados nos campos militares durante muitos anos. Atualmente, os sobreviventes e seus filhos são uma população discriminada como a grande maioria dos árabe-muçulmanos na França.

4 A “integração via presunto” es uma metáfora que faz referência a assimilação dos muçulmanos a identidade francesa por meio de abandonar sua cultura, identidade e epistemologia própria. A metáfora vem do jeito que a prática religiosa muçulmana Condena (com leva) no comer carne de porco. Para muitos árabe-muçulmanos que pretende assimilar a identidade francesa poder demonstrar sua alto grau de assimilação acuden a comer presunto no espaço publico. Este tem uma lembrança com a “festa do porco” no século XVI na Espanha Imperial posterior a conquista de AL-Andalus e As Américas, onde para muitos judeus e muçulmanos esconde suas origens ou sua identidade religiosa faziam a festa do porco como um ato publico em seus municípios com o propósito de eliminar qualquer suspeita da parte das autoridades eclesiático/estatis da monarquia Católica espanhola.

5 Esta organização foi formada por algumas mulheres dos bairros marginais da França que organizaram atividades, marchas e demonstrações contra o uso do véu por parte das mulheres muçulmanas generalizando a idéia de que a maioria das mulheres muçulmanas não se auto-veladas se não que eram veladas pelos homens em suas comunidades. Elas tomaram partido junto ao estado francês e a elite política francesa em favor da lei aprovada em 15 de março de 2004 que proíbe o uso do véu em instituições públicas do estado entre elas, as escolas publicas. A lei estabelece que qualquer jovem mulçumana que usa o véu será expulsa do sistema escolar. Em estudos feitos posteriormente demonstram que as maiorias das jovens que usam o véu o fazem por convicção própria, por convencimento espiritual e como HB contestaria contra o asimilaçonismo à francesa e não por imposição de seus esposos ou pais. De fato, a maioria dos casos os pais de origem árabe-muçulmano se opõem que suas filhas usam o véu nas escolas. Este debate dividiu o feminino francês de maneira de maneira irreversível, as expoentes principais do feminismo da diferença como Helene Cixous e Julia Kristeva aprovaram a lei do véu do estado francês. Outras feministas como Christine Delphy tomaram partido com lãs feministas muçulmanas contra a lei do véu.

6 Se refere á colaboração e apoio que durante décadas outorgou á esquerda francesa e, em particular, o Partido Comunista Francês (PCF) e o Partido Socialista Frances (antiguo SFIC-Seccion Francesa de La International Obrera) com as políticas coloniais do império francês e sobretudo em favor da guerra da Argélia.

7 Se refere a um notório grupo de ex-maoistas e ex-troskistas franceses que se passaram á direita desde dos meados dos anos setenta. Os mais conhecidos são Beranrd Henry Levi, André Flucksman, Alain Finkelkraut e outros. Estes intelectuais são, todavia muito importantes no debate público francês apoiando a Bush no Iraque o apoiando os crimes de Israel e sua política colonizadora na Palestina e o Oriente Médio. Durante a invasão do Iraque em 2003 criticaram a Chirac publicamente por não apoiar ao trio dos Azores (Bush, Aznar e Blair) em seus planos de invadir Iraque.