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A revolução da dignidade! Por Sadri Khiari

 Sadri Khiari, ativista tunisiano exilado na França desde do início de 2003, é um dos membros fundadores do Partido dos Indígenas a República (PIR) do qual é atualmente uns dos dirigentes principais. Tem publicado, entre outros, Por uma política da ralé. Imigrantes, indígenas e jovens do subúrbio, editora Textuel, Paris, 2006 e A contra revolução colonial  de Gaulle à Sarkozy, editora La Fabrique, Paris, 2009.

Hoje, como todos os dias desde o fuga de Zine el-Abidine Ben Ali, fizeram –me vinte vezes a mesma pergunta: como é que se pode explicar um abalo tão profundo na Tunísia - conhecida por sua "estabilidade" – e a queda súbita da pessoa que segurava as rédeas com mão de ferro?

Mil explicações são possíveis. Mas eu so mantenho uma. A mais importante para mim: o poder da facção da máfiosa que cercava o presidente deposto não era baseado em nenhum despositivo  de consenso  ou de consentimento. Dito com otras palavras, ele não tinha autoridade moral sobre a população. No entanto, nenhum sistema político pode suportar tanta falta absoluta de autoridade moral. Mesmo nas camadas privilegiadas da população, inclusive entre aqueles que  beneficiaram diretamente do regime de Ben Ali, ele mesmo, sua esposa, seus familiares, despertavam  tanto o médo como o despreso total.

Desde que chegou ao poder em Novembro de 1987, Ben Ali tem trabalhado para construir uma gigantesca máquina de repressão, de controle da população e de clientelização. Os jornais franceses tem falado as vezes em ativistas políticos ou dirigentes sindicais postos em prisão, da tortura praticada contra adversários, da intimidação brutal de que foram objecto os defensores dos direitos humanos, mas a ação principal da polícia era outra: tratava-se da grande massa da população, submetida a constante pressão da polícia, dos serviços do Ministério do Interior, é claro, mas também de muitiplas milícias informais, o RCD  (Coligação Constitutional Democratica), que não é um partido como os outros, mas um anexo do Estado, responsável pela supervisão, acompanhamento, punição, compra, suborno, extorsão, de qualquer indivíduo em qualquer esfera sua vida social. Nessas instituições, há  tambem as estruturas da administração, que pensamos estarem ão serviço dos cidadãos mas que têm servido até agora , para transmitir com todo o seu peso, as orientações e directivas do Estado. Em outras palavras, elas têm desempenhado o papel da repressão, de controlo e de clientelização. O fincionamento do Ministerio da Justiça é exemplar desse ponto de vista.

Isso não é acusar todos os funcionários, a mayoria deles cidadãos honestos, mal pagos, trabalhando em péssimas condições e sujeitados à onipotência dos seus superiores. Note-se a capacidade do sistema policial para fazer de todos um cúmplice do poder.

 Que ninguem se engane: os mecanismos policiais e burocráticos criados por Ben Ali não o foram apenas para instilar o medo e obediência. Eles tinham a intenção, mais perniciosa, mais eficaz do que o medo de assassinar em cada um o que faz a sua humanidade. Ben Ali construiu uma enorme máquina  para quebrar a dignidade dos tunisianos, ele desenvolveu uma tecnologia formidavel para a indignidade. Compromissos ou cumplicidade, corrupção, as mil vergonhas muitas vezes necessarias para a sobrevivência ou apenas para ter paz, foram mecanismos, entre outros, para a construção sistemática da indignidade. O total desprezo do poder para o povo, era necessário que toda a sociedade o sinta, era necessário que todo o indivíduo o sinta pelo seu semelhante e para si mesmo.

 Repito: a repressão e o medo nunca foram suficientes para manter um poder  que não tenha qualquer autoridade moral. Sem tal legitimidade, Ben Ali e o seu gangue de bandidos fizeram uma escolha diferente: destruir a solidariedade quebrar a moral, abolir o respeito, generalizar o desprezo, humilhar, degradar e humilhar novamente. Vocês não são nada, vocês nunca serão algo , sub-humanos, é a mensagem do sistema social e moral Benali. Bourguiba, um pouco elitista, considerava os tunisianos como uma "poeira de indivíduos", de que ele se encarregaria de fazer uma nação. Ben Ali, ele, apostou no contrario: transformar a nação em »uma poeira de  indivíduos ». Essa aposta  fracassou porque a nação recuso-se a tornar-se pó. A lama do Palácio de Cartago nunca conseguiu submerjir toda a Tunísia.

 Na minha opinião, falar de pobreza, problemas sociais, da necessidade abstracta das liberdades democráticas ou da repressão como uma fábrica simples do medo ou da submissão, so permite compreender uma dimensão reduzida dos eventos que se developam desde um mês na Tunísia. Mohamed Bouazizi não se deu a morte de uma maneira tão terrível, apenas porque ele não tinha emprego e um funcionário municipal o impediu de ganhar moedas de um centavo com a venda de legumes. Ele imolou se pelo fogo, porque quando nle cuspio na cara, esse funcionário reiterou que o regime de Ben Ali nos disse  todos os dias: você é uma merda de cão, eu faço contigo o que eu quero! Bouazizi estava certamente farto de ser pobre, muito pobre. Ele não suporto de deixar de ser um ser humano. Paz à sua alma, todos nós  pensamos nele, todos nos identificamos-nos com ele, embora alguns de nós tênham emprego e vivam confortavelmente. A força motriz da revolução Tunísiana não tinha outros objetivos,  deita abaixo o tirano, para dar a  Bouazizi a dignidade que le recusaram. Os tunisianos têm pedido  aumentos salariais? A liberdade de imprensa? Um novo direito qualquer? Não, eles manifestaram a sua dignidade, eles disseram que sua dignidade exigia a saída de Ben Ali. E conseguiram. Se ele o tivesse compreendido que ele não teria perdido o seu tempo a fazer concessões, que foram concessões só aos seus próprios olhos: as reduções de preços, o acesso gratuito à internet, as eleições e, finalmente, sair daqui a três anos! Grotesco. O que estava em jogo era a sua  cabeça e a sua cabeça imediatamente.

 Está tudo acabado? Certamente que não. A efervescência revolucionária não foi extinta. Em toda parte, a dignidade continua a lutar contra a indignidade. O povo tunisiano jà não é composto por indivíduos que só estão resistindo do melhor que possam para preservar a sua qualidade de ser humano, é corpo colectivo que abomina a idéia de que homens do régime de Benali e alguns políticos, ansiosos por partes do bolo do poder, planejam roubar-lhes a vitória. O povo tunisino só  tem confiança em si mesmo etem razão. O segundo ato da Revolução de conseguir a dissolução das instituições criadas pelo ex-presidente – em primeiro lugar o RCD - e as eleições democráticas de uma assembléia constituinte que devera restaurar ,para o povo ,a soberania política de que ele foi privado desde décadas. Depois, vamos ver.

 

Khiari Sadri, 17 de janeiro de 2011.

Tradução: Georges Franco